A revista Ler, de Julho-Agosto (Lisboa: Fundação Círculo de Leitores, nº 126), traz, pela mão de Ana Sousa Dias, uma entrevista com José Pacheco Pereira, peça que vale bem a pena ler por estarmos perante uma reflexão humanista, culta, que vai muito além do papel de comentador. Aqui ficam alguns excertos pela ordem por que surgem na conversa.
Saber - "Há uma certa hostilidade em relação ao saber, mesmo [ao] tipo de saber que é um saber de amador, no verdadeiro sentido do termo. Há mais defesa da ignorância, particularmente da parte daqueles que acham que sabem."
Prosápia - "A prosápia tem uma proporção inversa com a sabedoria.
Álvaro Cunhal - "É um homem muito corajoso (...). É claramente um intelectual, até naquilo em que se sente mal por ser intelectual, a tentativa de forçar uma proximidade com o mundo operário que ele na realidade nunca teve. (...) Ele teve a fé do século XX, o comunismo, uma fé que tem uma componente religiosa, uma determinação identitária que também existe no comportamento religioso, de tal maneira que ele morre com uma grande amargura. (...) É um homem que reconstrói a sua própria identidade a partir do que acha que deve ser, não a partir do que é. (...) Ele é um dos grandes portugueses do século XX e molda de uma forma importante a História portuguesa e a História do mundo. A sua influência no movimento comunista mundial não é despicienda (...)
Europa - "Os grandes desafios têm a ver com a dificuldade que a Europa tem em entrar no mundo global. Quer as vantagens e não quer os inconvenientes, as vantagens de ser uma zona de paz e prosperidade, e não quer mudar os seus erros económicos históricos, não quer ter Forças Armadas, não quer ter Defesa, portanto não quer ser autónoma nas relações internacionais, que são dominadas desde sempre pela paz e pela guerra. Quem não seja credível nessa área não tem papel na política mundial. Isso é preocupante.
Liberdade - "Há muito tempo que as pessoas fizeram um trade off que é muito perigoso entre a liberdade e a segurança.
Aceitam. Aceitam que haja câmaras na rua e que os filmem, aceitam que os Governos proponham a divulgação dos nomes dos mais pobres que recebem casas nos bairros sociais, aceitam que os Governos queiram controlar a velocidade através das horas a que se entra e se sai da autoestrada, aceitam que o fisco possa saber tudo o que se compra. Só ainda não aceitaram pôr um chip como os cães, porque ainda parece muito intrusivo, mas na verdade a nossa sociedade caminha para que as pessoas aceitem um sistema de vigilância total.
Crise - "Vamos sair da crise com um Estado disforme, não mais pequeno mas disforme, um Estado mais autoritário, mais intrusivo. Numa sociedade em que o tónus é dado pela classe média, o único processo dinâmico é o empobrecimento, a passagem da classe média para a pobreza.
Decência - "As pessoas sabem distinguir o que é decente e o que é indecente. Uma das razões por que a linguagem política à esquerda é muito pouco eficaz para exprimir o que se passa nos dias de hoje é que ela substituiu um elemento de indignação que é moral por um discurso político que é restritivo.
Revolta moral - "O tipo de desafios que se coloca hoje, em que muita gente é maltratada, muita gente está a ser conduzida à miséria por incompetência, ignorância e por experimentalismo social, exige uma revolta moral que está muito para além da esquerda e da direita."
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